Por que Toda Sua é melhor que 50 Tons de Cinza

Folheei com preguiça as primeiras páginas de Toda Sua, o primeiro volume da trilogia Crossfire, escrito por Sylvia Day. Poucas semanas antes do lançamento no Brasil, a prova do livro chegou à redação. Os direitos foram comprados pela editora Paralela, braço popular da Companhia das Letras. Sim, Toda Sua é mais um título que surfa na onda do pornô pop para mulheres, graças ao sucesso de Cinquenta Tons de Cinza.

O que me fez bocejar logo de cara foi reconhecer a mesma fórmula de E. L. James: uma jovem-atraente-indefesa esbarra com um bonitão-poderoso-controlador, os dois surtam de tesão e negociam o sexo para transar como se não houvesse amanhã. A diferença é que, literariamente, Sylvia Day supera James – não que isso seja um graaaande desafio.

Na terça-feira passada, debati sobre o assunto com o psicanalista Contardo Calligaris em uma confraria para livreiros de São Paulo. Para ele, as mulheres estão consumindo avidamente esse gênero porque, mais que pornografia, esses livros trazem histórias de amor.

Na trama de Toda Sua, Eva Tramell é uma publicitária de 24 anos, sexualmente abusada pelo ex-enteado da mãe. Ela mora em Manhattan com Cary, um ex-viciado em drogas e bissexual de quem se tornou amiga durante a terapia em grupo. Antes de começar no novo emprego, Eva visita o prédio onde fica a agência e encontra o poderoso Gideon Cross. Surge, imediatamente, um desejo irrefreável de ambas as partes. Moreno atlético e elegante, Cross é um dos homens mais ricos da cidade e comanda um conglomerado de empresas (que inclui academia, hotel, o prédio corporativo e até o residencial de Eva). Ele pergunta, na lata, o que precisa fazer para comê-la. Eva se sente ofendida e recusa ser mais uma “aquisição” de Cross. Controlador e autoritário, ele não desiste até levá-la para a cama. O intenso sexo casual desperta sentimentos e conflitos inesperados entre os dois.

Como já escrevi, tanto Cinquenta Tons de Cinza quanto Toda Sua são leituras de entretenimento. Se você não esperar das autoras um texto primoroso e puder relevar os clichês tão execrados pelas feministas, dá para se divertir. Como é impossível não comparar os dois livros, aqui estão quatro motivos que me fizeram preferir Sylvia Day a Erika L. James:

1. Toda Sua é descaradamente uma paródia de Cinquenta Tons de Cinza. Sylvia Day até cita James nos agradecimentos pela inspiração. Os protagonistas, por exemplo, seguem quase a mesma cartilha. Mas é uma cópia melhor escrita que o original.

2. Ao contrário de Anastasia, a virgem indefesa de 21 anos que nunca sequer se masturbou em Cinquenta Tons de Cinza, Eva não tem essa ingenuidade. Ela é mais provocante, esperta e decidida. E tem até um vibrador em casa…

3. As cenas de sexo não demoram cem páginas para acontecer. Tudo bem que a gente gosta de contexto e preliminares, mas calma lá, né? Mesmo sem o recurso do fetiche sadomasoquista (pelo menos no primeiro volume da trilogia), a autora descreve cenas tórridas em um sexo convencional.

4. Interjeições e adjetivos menos bobos que os de Anastasia, como o artificial “uau”. Eva prefere expressões cruas e mais verossímeis. Nem os palavrões foram poupados na tradução. E, ufa, ela não conversa com sua “deusa interior”.

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